terça-feira, 18 de setembro de 2007

Leitura como inclusão social: as camadas populares e os clássicos

Em sociedades como a nossa, cujos traços característicos são a exclusão e o autoritarismo, as oportunidades culturais não chegam de igual forma a todas as camadas sociais. E de maneira mais difícil a literatura, por se tratar de arte escrita e que conta com o poder de uma boa imaginação, sem ter a seu favor o recurso da imagem, da cor e outros.
Isso tudo não acontece em um contexto isolado. Desde a colonização sofremos um processo cruel de segregação das camadas sociais, o qual permitiu (e ainda permite) a alguns, não só o acesso, mas a detenção dos produtos culturais eruditos, e legou a outros, de maneira tirânica, apenas uma parte da cultura, a qual chamou pejorativamente de popular.
Alguns teóricos, como Antonio Candido, dizem que as camadas populares não lêem os clássicos porque não têm oportunidade de tê-los nas mãos. E mais, que “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (CANDIDO, 1995). Assim, a literatura propicia vivenciarmos e debatermos o nosso tempo, à luz de vivências anteriores, buscando explicações nem sempre possíveis. Como explicar, por exemplo, as chacinas colonialistas que dizimaram nações indígenas inteiras? Com quais explicações justificar a escravidão negra? É possível termos uma dimensão aproximada do holocausto?
Parte da sociedade que detém o conhecimento erudito sempre procurou afastar as camadas populares do contato com as obras de arte literária. Pois o livro, enquanto representação artística possui a propriedade de sensibilizar, gerar conflitos e desencadear reações. Por isso, “Ao reinventar, simular, imaginar, construir o real, a produção literária gera, determinadas vezes, um conhecimento particular e que contribui para o desvendamento da essência mesma do processo histórico brasileiro.”, (SEGATTO, 1999: 219). É esse desvendamento que torna o livro perigoso. Então, a solução é não permitir que objeto tão ameaçador circule livremente nas mãos de babás, mecânicos, garis, encanadores, pedreiros, garçonetes e toda a sorte de gente que faz parte das chamadas camadas populares.
Ainda segundo Antonio Candido, quando nos apropriamos da poderosa força da palavra organizada, nos tornamos mais capazes de ordenar nossa mente e sentimentos; e, conseqüentemente, mais capazes de organizar a visão de mundo que temos. Atrevo-me a acrescentar um vocábulo e mais: verbalizar. Sim, pois apropriados do instrumento que facilita nossa ordenação mental e nossa visão de mundo podemos, com maior habilidade e clareza, verbalizar impressões, externar opiniões e tomar posicionamentos. Assim, torna-se possível transformar as informações em conhecimento através da elaboração, porque os sentimentos passam de um estado emotivo para um estado de construção, funcionando como mola propulsora para o querer mais.
Então, as pessoas que nunca leram Dante, Shakespeare, Fernando Pessoa ou Machado de Assis, quando têm oportunidade de tê-los nas mãos, manuseá-los e efetuar sua leitura, encantam-se com esse algo nunca visto. É que o poder da fruição pode ser alcançado por qualquer ser humano, independentemente do nível social.
A fascinação exercida pelo texto literário é tão impactante quanto à constatação do processo excludente das camadas populares. Ao longo da nossa história somente foi permitido o acesso da população segregada a uma parcela mínima da cultura, pois a mesma, sem acesso aos bens materiais necessários para a sobrevivência, precisa abandonar os bens espirituais para prover o sustento do dia a dia.
O acesso aos diferentes níveis de cultura possibilita confrontar pontos de vista distintos e estabelecer critérios que mantêm ou rompem com aquilo que está estabelecido, mas que de qualquer forma proporciona a multiplicidade de idéias. Do ponto de vista autoritário isto é muito perigoso porque faz pensar e questionar a estratificação social, levando os indivíduos a buscarem soluções coletivas. Nesse processo, ler ou não ler faz a diferença para a mudança da sociedade.
Experimentar a linguagem literária precisa passar pela vivência concreta do/a leitor/a, precisa dar prazer, despertar o lúdico e, através da fruição, provocar a constituição ou destruição do texto.
Ousar! Esta é a palavra. Sensibilidade não escolhe proveniência social. Negar às camadas populares o direito à inclusão através da leitura é negar às pessoas a condição de seres de vontade, instigadas pelos fenômenos da vida, é privá-las do acesso à apropriação da palavra como construção da identidade.

Um comentário:

Unknown disse...

POr gentileza, poderiam publicizar que esse texto foi escrito por mim?
Obrigada!
Ana Maria de Oliveira